O Último Metrô (Le dernier métro, 1980)
Cor, 131 min, 35mm
Diretor: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean-Claude Grumberg
Elenco: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu e Jean Poiret
Sinopse
Paris, 1942. Durante a guerra, o Theatre Montmartre é a principal casa de espetáculos dos franceses, naqueles difíceis tempos de guerra. O teatro é dirigido por Lucas Steiner (Heinz Bennent), um bem sucedido empresário judeu, que supostamente encontra-se fora do País. Na ausência de Lucas, sua esposa Marion (Catherine Deneuve), dirige o teatro. Ela contrata para a nova peça o ator Bernard Granger (Gérard Depardieu). Para dirigi-lo em cena, Marion se socorre das orientações de seu marido, que, na verdade, está escondido no porão do teatro.
François Truffaut, o cineasta mais conhecido da Nouvelle Vague francesa junto com Jean-Luc Godard, tinha como meta realizar trinta filmes e depois planejava dedicar-se à literatura. O Último Metrô foi o vigésimo quarto filme, incluindo os curtas e as obras coletivas, de um diretor que lançou seu primeiro longa metragem, Os Incompreendidos, um pouco mais de vinte anos antes em 1959. Porém, Truffaut temia que pudesse ser seu último, caso fosse um fracasso comercial como os dois anteriores, O Quarto Verde (1978) e Amor em Fuga (1979).
De fato, em uma época na França quando as emissoras de televisão não tinham a obrigação de financiar o cinema e onde não existia ainda financiamento público de porte, Truffaut tinha criado um sistema único pelo qual produzia seus próprios filmes com a receita das obras anteriores e a venda dos direitos de distribuição aos estúdios americanos, geralmente a Warner ou a United Artists. Esse esquema que lhe assegurava independência criativa total, lhe obrigava também a encontrar um público razoável, senão com cada produção, pelo menos de uma forma regular. No final, O Último Metrô foi um grande sucesso popular no mundo inteiro e na França reuniu mais de três milhões de espectadores.
A crítica, porém, foi feroz com o filme e acusou Truffaut de ter traído os princípios da Politica dos Autores que ele mesmo proclamou em 1954 na revista Arts contra certa forma de academismo. Para muitos críticos, a história da dona de um teatro parisiense (interpretada por Catherine Deneuve) lutando pela sobrevivência na França ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e escondendo seu marido judeu (Heinz Bennent) no porão do teatro, era uma obra impessoal, sem a fantasia de A Carroça Dourada, de Jean Renoir, que Truffaut admirava profundamente e que retratava também a vida de um grupo de teatro, e sem as reflexões sobre a arte que A Noite Americana, sua película sobre uma filmagem que lhe rendeu um Oscar em 1974, contemplava.
Na verdade, O Último Metrô é uma obra mais pessoal do que parece e a crítica demorou muitos anos para reconhecer esse aspecto. Adolescente durante a Segunda Guerra Mundial, há muitos anos Truffaut tinha o projeto de fazer um filme sobre este período, não de ponto de vista da história e dos seus grandes dramas, e sim contando o cotidiano dos franceses durante a ocupação alemã, um cotidiano bem menos heróico do que se falava. O que Truffaut observou foi que a França ocupada não era divida entre os franceses colaborando com os alemãs (“Les Collabos” na gíria popular) e os guerrilheiros da Resistência, mas viveu em um clima mais tranquilo e mais complexo feito de pequenos arranjos, de traições discretas e de compromissos convenientes. Porém, só nos anos setenta, após a publicação do livro do americano Robert Paxton sobre esse período (“Vichy’s France – 1972) e do lançamento do filme de Louis Malle (“Lacombe Lucien” – 1974), os franceses começaram a enxergar um passado mais cinzento do que a história oficial. Aconteceu também que pouco antes de filmar, Truffaut tinha descoberto que seu pai, sumido há muito anos, era um judeu que a família conservadora da sua mãe rejeitou.
O Último Metrô fazia parte também de um projeto de trilogia sobre as artes que Truffaut tinha iniciado com A Noite Americana e sua visão do cinema, e que devia ser encerrado com A Agência Mágica sobre o mundo dos cabarés mas que sua doença fatal não lhe deu tempo de dirigir. Na verdade, era um pouco irônico que Truffaut tenha resolvido retratar o universo do teatro já que era do conhecimento de todos que não gostava de assistir peças. Ele costumava dizer que nunca poderia dirigir uma peça de teatro porque odiava a idéia de orientar atores na frente dos outros e gostava da relação exclusiva de cumplicidade com eles que o cinema lhe proporcionava. Talvez por esse motivo, percebeu que seus atores ficavam nervosos antes da filmagem e enviou uma carta para eles onde escreveu acreditar que O Último Metrô seria “uma película fácil e agradável de rodar, assim como todos os filmes onde os personagens são mais importantes do que as situações dramáticas”.
Por Bernard Attal