O Iluminado (The Shining, 1980)

O Iluminado (The Shining, 1980)
Cor, 142 minutos, DCP
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stephen King (livro) e Stanley Kubrick e Diane Johnson (roteiro)
Elenco: Barry Nelson, Danny Lloyd, Jack Nicholson, Shelley Duvall, Philip Stone, Scatman Crothers

Sinopse

Jack Torrance (Jack Nicholson) é contratado para tomar conta de um hotel durante os meses de inverno rigoroso, quando o estabelecimento não funciona. Sua esposa Wendy (Shelley Duvall) e seu filho Danny (Barry Nelson) acompanharão o chefe da família, que é escritor. A calma e o silêncio do lugar deveriam inspirar Jack em seu novo livro, mas as coisas fogem ao seu controle…

Horror de ser humano

Na década de 80, poucos anos após o lançamento comercial do filme, eu era adolescente e fazia pouco dos filmes de terror. Eu gostava de ir ao cinema para ver as pessoas gritando e para rir daquela “mentirada” toda. Sangue jorrando e pscicopatas sem nenhum sentido em roteiros previsíveis. Tudo aquilo me fazia rir. Certo dia, eu fui à locadora de vídeo (fitas VHS) e aluguei dois filmes. Um deles, “O Iluminado”, de Stanley Kubrick. Era sábado à noite e a minha família tinha saído de casa. Eu assisti ao primeiro filme, que nem me lembro o nome. Já pensando em dormir, eu coloquei “O Iluminado” no videocassete.

Logo de cara, eu estranhei por não ver graça em nada, pois não havia nenhum exagero ou personagens fakes, típicos do filme de terror naquele momento, sobretudo aqueles produzidos para adolescentes. Para mim, tudo soava real demais naquela película. A cena em que Jack Torrence é entrevistado pelos donos do hotel me tirou o sono por completo. Naquele momento, ele é advertido pelo proprietário quanto ao que aconteceu com o gerente anterior, que se matou após ter assassinado a esposa e as duas filhas.

Muito provavelmente, a tragédia ocorreu por ele não ter suportado o isolamento daqueles meses em que o hotel se torna quase que uma fortaleza inexpugnável. Impossível entrar ou sair de lá. Jack sorri, maliciosamente, e responde algo como “Você pode ficar seguro, Mr. Ullman, isso não vai acontecer comigo. E quanto a minha mulher, ela ficará absolutamente fascinada quando eu lhe contar essa história. Ela é uma viciada em histórias de horror”. Kubrick não esconde nada, revela toda a história ao espectador naquela cena que termina com o riso doentio de Jack Nicholson. A questão é: como essa tragédia vai se desenvolver?

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“O Iluminado” assusta não apenas por tratar de pessoas comuns, que perdem a consciência e se tornam violentas. Mas, pelo fato disso acontecer no seio de uma família ordinária. “Wendy, I’m home!”, declara Jack munido de um desejo assassino. O vilão é o pai, aquele que deveria proteger, salvaguardar.

Quando o desequilíbrio de Jack se manifesta, torna-se ainda mais perturbador diante da fragilidade de Wendy e da inocência de Danny. O quadro de desespero se fecha quando são introduzidos elementos sobrenaturais na história. Quem poderá ajudar mãe e filho?

Talvez o amigo imaginário de Danny, Tony, que se manifesta através de uma estranha e não menos perturbadora voz… “O Iluminado” é um filme sobre a loucura humana. Eu me lembro que quando a película terminou, eu me levantei para beber água e para conferir se portas e janelas de casa estavam bem fechadas. Eu tive dificuldade para dormir.

A estrela é o diretor

Eu passei anos até rever “O Iluminado”. Fato que, na segunda vez, o filme não me pareceu tão realista, dado a arquitetura soberba e excêntrica que Kubrick confere aos seus filmes. Há uma extravagância na forma como o Kubrick pensa sua obra que o leva ao limite e que confere a “O Iluminado” uma atmosfera inigualável.

Nessa segunda oportunidade de ver o filme, os atores me pareceram também no limite da caricatura. Estaria o carismático Jack Nicholson brincando de interpretar ele mesmo, mais uma vez? Não demorei a compreender que a principal estrela do filme, mais uma vez, era o diretor, Kubrick.

Entre tantas coisas, em “O Iluminado”, ele utilizou largamente uma Steadicam, sistema que auxilia a estabilizar a câmera quando em movimento. A Steadicam já existia desde 1975, mas encontrou em “O Iluminado” uso eficaz. A precisão e suavidade do movimento conferem um nervosismo extremo em diferentes momentos. As cenas do garoto conduzindo seu velocípede pelos corredores do hotel são inesquecíveis. Não apenas a imagem, diga-se, pois a alternância do som propiciado pelo brinquedo quando em movimento no chão de madeira e no tapete é inebriante.

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Perfeccionismo que leva à loucura

Conta-se que Kubrick chegou a repetir uma mesma cena 160 vezes, em “O Iluminado”. Uns dizem que se trata do famoso perfeccionismo do diretor. Outros garantem que era uma estratégia, pois Kubrick queria fazer com que seus atores se sentissem presos naquele ambiente, em exercícios repetitivos e próximos da loucura.

 

Por Cláudio Marques