O Bandido da Luz Vermelha
Brasil, 1968, 35mm, 92 min
Diretor e roteirista: Rogério Sganzerla
Elenco: Helena Inez, Paulo Villaça, Pagano Sobrinho e Luis Linhares
Sinopse
O filme é livremente baseado na trajetória de João Acácio Pereira, mais conhecido como Bandido da Luz Vermelha (Paulo Villaça), que coloca a população em polvorosa e desafia a polícia ao cometer os mais variados crimes. Durante sua jornada, ele acaba conhecendo a provocante Janete Jane (Helena Inez), famosa em toda a Boca do Lixo, por quem se apaixona.
Prêmios
Vencedor do Festival de Brasília (1968) nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor montagem e melhor figurino.
Um cinema fora da lei
O Bandido da Luz Vermelho (1968) é o primeiro longa-metragem de Rogério Sganzerla, que na época tinha apenas vinte e dois anos de idade. O filme foi lançado no mesmo ano em que foi decretado o AI-5, o chamado golpe dentro do golpe. Tempos difíceis, de desesperança, em que a perseguição e a repressão aumentaram de forma asfixiantes.
O longa tem como eixo central a história de um bandido, personagem fracassado (“eu sei que fracassei”), desviante desde o nascimento (“eu sei que sou um errado, minha mãe me quis abortar”), em busca de uma identidade (“quem sou eu?”). Mas um personagem consciente de seu momento histórico (“quando a gente não pode fazer nada a gente avacalha, avacalha e se esculhamba”). Uma perfeita síntese da época. A saída está na ilegalidade e na contravenção. Formas de resistir a um mundo que aprisiona os desejos, destrói as utopias.
O Bandido é um cinema completamente fora da ordem, urbano, experimental, anárquico, pulsante, irônico, feito com pouquíssimo orçamento e sem amarras com o circuito exibidor ou um suposto gosto do público. É um filme referência para toda uma cinematografia que se desenvolve entre o final dos ano 60 e o início dos anos 70 e que ficou conhecido como cinema marginal ou cinema de invenção ou mesmo como ‘udigrudi’ (uma corruptela do underground americano).
Mas a violência em O Bandido da Luz Vermelha vai além do tema ou características do personagem central. Ela está presente no campo estética, na linguagem, na forma radical com que o filme é construído. O filme propõe uma experiência cinematográfica nova em relação ao que se fazia na época. A sua narrativa é marcada pela descontinuidade espacial e temporal, por uma sucessão ágil dos planos, uma justaposição de enunciados, uma dissociação rica entre som e imagem, por um acúmulo de referências. Sganzerla, em seu manifesto sobre O Bandido, afirma ter feito um filme-soma; um far-west sobre o III mundo, mas também musical, documentário, policial, comédia (ou chanchada?) e ficção científica. É uma bricolagem audiovisual, frenética e explosiva.
O Bandido da Luz Vermelha é um marco do cinema brasileiro. Trouxe renovação num campo marcado por um cinema cada vez mais institucionalizado. De acordo com o crítico Ismail Xavier, representa a radicalização de um impulso de revolta que alguns cineastas julgavam estar saindo da pauta do Cinema Novo a partir de 1968. Porém, o vigor de O Bandido da Luz Vermelha não fica restrito à época de sua criação. A força do filme se mantém até hoje e se renova a cada exibição.
Uma pausa para lembrar
O Cineclube Glauber Rocha, desde a sua origem, pensou a exibição articulada com a crítica. Ou seja, propõe a fruição seguida de debate, pensamento e reflexão. Assim, resgata-se a cinefilia, amplia-se o olhar, desdobra-se o sentido de uma obra. Surge em Salvador uma nova geração de críticos, jovens apaixonados e empenhados em suas tarefas. Muitos deles já passaram pelo cineclube e conduziram debates após as sessões. Por outro lado, em 2014, faleceram dois de nossos mais atuantes críticos de cinema, João Carlos Sampaio e André Setaro.
João Carlos teria feito, no dia 06 de maio de 2014, o debate após a exibição do filme de abertura do Cineclube, Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Porém, como se sabe, ele não pode estar conosco. No dia 03 de junho de 2014, André Setaro nos brindou com a condução do debate de Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais. Debilitado, Setaro compareceu à sessão. Acredito que foi a sua última aparição em público fazendo aquilo que se dedicou por toda a vida.
Mas porque falar disso agora quando exibiremos O Bandido da Luz Vermelha? Porque, coincidência ou não, esse era um dos filmes brasileiros preferidos de ambos. Marcelo Miranda, crítico e amigo de João Carlos Sampaio, recordou certa vez o modo como João sabia trechos inteiros do filme e não se cansava de repeti-los. Já Setaro, em seu blog, ao escrever sobre O Bandido, o colocou entre os cinco melhores filmes brasileiros já realizados. O texto na íntegra pode ser lido clicando aqui. As associações feitas aqui são caminhos para recordar e homenagear os dois.
Por Marília Hughes