Monty Python – O sentido da vida (The Meaning of Life, 1983)
Cor, 107 min, DCP
Diretores: Terry Jones e Terry Gilliam
Roteiro e Elenco: John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin e Graham Chapman
Sinopse
Afinal, qual é a razão disso tudo? Porque estamos aqui? Qual o objetivo de toda essa charada? Qual é o nosso destino? Existe o céu e a terra? Há vida depois da morte? Reencarnamos?
Monty Python é um grupo inglês de humor que começou a atuar no final dos anos 60 na BBC de Londres com a série Flying Circus. Na época, foram ao ar 45 episódios divididos em 4 temporadas. Além de TV, a trupe realizou apresentações ao vivo e filmes. Precursor da comédia do absurdo no cinema e tv, o grupo é uma forte referência para humoristas de todas as partes do mundo.
Mas o humor do Monty Python não se restringe a um círculo restrito. O início da carreira em televisão favoreceu o alcance de um público amplo e diverso. É com essa vantagem que eles chegam ao cinema e realizam 3 longas-metragens. “Monty Python – O Sentido da Vida”, premiado no Festival de Cannes em 1983, foi o último trabalho com a formação original do grupo (John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin e Graham Chapman). Eles só voltaram a se reunir 30 anos depois, em julho desse ano, para um espetáculo teatral em Londres. Dessa vez, sem a presença de Graham Chapman, que morreu de câncer em 1989.
De volta às origens
Em “O Sentido da Vida”, o grupo retorna ao estilo original do começo da carreira, marcada pelo uso de esquetes, quadros independentes uns dos outros e que possuem uma marca televisiva muito forte, com cenas que dependem muito do texto e dos diálogos. Vale lembrar que em “O Cálice Sagrado” (Monty Python and the Holy Grail, 1975) e “A Vida de Brian” (Monty Python’s Life of Brian, 1979), o grupo elaborou narrativas lineares em histórias contínuas.
O longa “O Sentido da Vida”, que é precedido pelo curta The Crimson Permanent Assurance, escrito e dirigido por Terry Gilliam, é dividido em capítulos e tem como pano de fundo questões filosóficas: Porque estamos aqui? Qual o objetivo de toda essa charada? Qual é o nosso destino?
Seis peixes num aquário (lembrando que seis é o número de integrantes do grupo) lançam essas perguntas ao notarem que um colega está sendo servido como almoço para o cliente de um restaurante. Atônicos diante da cena, questionam: afinal, qual a razão disso tudo? A partir daí, seguimos por episódios que detalham a existência, do nascimento à morte, de um jeito muito particular, ao modo Monty Python: irreverente, anárquico e nonsense. O melhor de um tipo de humor que costumamos identificar como britânico.
O filme começa muito bem com dois episódios distintos sobre o milagre do nascimento. No primeiro, uma mulher em trabalho de parto é conduzida em uma maca para a sala de cirurgia, ou sala “assusta fetos”, como é chamada por um dos médicos. A cena possui um ótimo ritmo, o texto é ágil e as situações precisas. Ironiza o modo impessoal com que as instituições hospitalares e os profissionais de saúde lidam com o nascimento, supervalorizam a tecnologia em si e deixam em segundo plano o ser humano.
No segundo capítulo, a questão do nascimento é tratada num contexto de terceiro mundo. A igreja católica ao proibir o uso de contraceptivos faz com que uma família pobre e religiosa tenha uma quantidade enorme de filhos, o que torna inviável para os pais o sustento e manutenção das crianças. Em determinado momento, o filme contrapõe católicos e protestantes em questões de procriação e sexualidade. Nenhum dos dois lados escapa do sarcasmo do grupo.
No capítulo “lutar uns contra os outros”, o exército, longe de ser glorificado, é representado como uma atividade desinteressante e inútil e que dificilmente se sustentaria se não fosse uma obrigação. Tanto que o perfil de um general inesperadamente democrático, que consulta se os soldados desejam marchar para cima e para baixo de uma praça ou fazer qualquer outra coisa que lhes interesse resulta numa total deserção da tropa. Portanto, eles usam o humor e a ironia para tratar temas considerados sérios e tabus da sociedade.
E por aí o filme segue.
O Surreal e o Nonsense em Monty Python
Um traço marcante do grupo é a construção do humor através de situações surreais. Em O Sentido da Vida, esse recurso atinge o ápice com a aparição de Mr. Creosote (Terry Jones), um homem assustadoramente obeso que sofre de acessos de vômito e que desfruta de sua última refeição em um restaurante francês elegante antes de explodir na frente de clientes horrorizados e de um garçom imperturbável. É inegável a irreverência do grupo ao construir uma cena tão absurda quanto desagradável, porém, muito difícil de esquecer.
Sem regras
Monty Python é altamente anárquico no uso da linguagem, mesmo que a direção seja de Terry Jones, o roteiro é assinado pelos seis integrantes do grupo. Porém, cada esquete possui uma coerência interna. A diversidade está na construção de cada um dos quadros. Dessa forma, sucedem-se na tela narrativas ficcionais, musicais, animação, tudo isso de uma maneira muito livre e sem amarras. Em todos os casos, porém, o texto possui um papel fundamental, seja através dos diálogos ou das letras das músicas.
Por ser um longa construído a partir de pequenas histórias, isoladas e sem relação entre elas, é inevitável que algumas sejam mais interessantes que outras. Isso faz com que exista uma certa irregularidade no filme, com momentos muito bons e outros nem tanto. Pode-se dizer que os esquetes mais precisos, diretos e nonsense representam o melhor do Monty Phyton.
Mas afinal, qual é o sentido da vida?
Os quadros do meio pro final do longa parecem cada vez mais distantes da questão inicial do filme. O que um homem extremamente gordo com vômitos compulsivos poderia nos responder sobre a questão da existência? E os médicos que matam os doadores de órgãos? Mas, o nonsense e o absurdo não seriam modos de reconhecer a impossibilidade de decifrar a questão título do filme? E quando, finalmente, os integrantes do grupo se arriscam a dar uma resposta, ironizam ao dizer as coisas mais óbvias e senso comum como “tentem ser bons e evitem comer gorduras”. O que eles nos oferecem, portanto, não é uma resposta, mas uma estranha e engraça jornada.
Por Marília Hughes