Fome de Viver (The Hunger, 1983)

Fome de Viver (The Hunger, 1983)
Cor, 165 minutos, DCP
Direção: Tony  Scott
Roteiro: Ian Davis e Michael Thomas
ElencoCatherine DeneuveDavid Bowie e Susan Sarandon
Baseado no livro de mesmo nome de Whitley Strieber (1981)
Sinopse

A imortal Miriam (Catherine Deneuve) é uma espécie de vampiro que possui a necessidade de ter sempre um companheiro ao seu lado. O sangue de Miriam permite que seus amantes tenham uma vida prolongada. Jon (David Bowie) é o seu atual companheiro e está com Miriam há pelo menos 200 anos. Mas, Jon, como todos os amantes anteriores de Miriam, passa por um processo brutal de envelhecimento na fase final de sua vida. Em pânico, ele procura pela médica Sarah (Susan Sarandon), que acaba de lançar um livro sobre as possibilidades de controlar ou mesmo reverter a morte das células do corpo.

 

Um filme que marcou uma geração

A agressividade punk dos anos 70 já não possuía mais a mesma força nos EUA e Inglaterra. Mas, o mundo do início dos anos 80 continuava inseguro e a guerra nuclear entre os EUA e a URSS parecia eminente. Não era um período de alegrias.

Sombrio como os tempos da Guerra Fria, o movimento gótico ganhou força. Uma derivação do punk, mas romântico, escapista e dotado de preocupações estéticas agudas. Os jovens góticos ouviam música clássica e pop-rock. Eles visitavam cemitérios, usavam capas longas e escuras, liam Goethe e viam filmes do expressionismo alemão. Isso, claro, antes de virar uma simples moda que se espalhou pelo mundo com o desenrolar dos anos 80.

“Fome de Viver” foi um dos filmes que mais fortemente representou os ideais góticos. Logo no início da película, Peter Murphy canta “Bela Lugosi’s Dead”, música síntese da lendária banda gótica Bauhaus, enquanto Miriam e Jon entram numa boate para caçar, literalmente. O casal encontra dois jovens dispostos a tudo e os leva para onde eles moram. Um apartamento espaçoso, deslumbrante e que mais se assemelha a um mausoléu. Tudo muito elaborado. As maneiras um tanto grosseiras dos dois jovens contrastam com a elegância do casal Deneuve-Bowie. Mais que mero passatempo, os dois jovens servem como alimento para os dois vampiros.

Mais ainda que esse início, a seqüência amorosa entre Catherine Deneuve e Susan Sarandon marcou aquela geração dos 80. Desde o vinho tinto que escorre pela camisa branca de Sarandon, na altura dos seios, passando pelo beijo até chegar ao namoro e corpos nus das duas, com direito a mordidas e sangue. “Você me pertence”, diz Deneuve a Sarandon.

Eu me lembro bem das filas que se formavam em frente ao antigo Cine Rio Vermelho, em Salvador. Todos queriam ver o tal beijo. Eu tinha 14 anos e, graças à amizade construída com o porteiro do cinema, eu consegui entrar para ver aquele filme impróprio para menores de 18 anos. Foi a primeira vez que eu compreendi ser real a possibilidade amorosa entre duas mulheres.

Névoa e cortina: do chique ao brega

“Fome de Viver” é o filme de estréia de Tony Scott, que vinha da publicidade e era conhecido por ser o irmão mais novo do cineasta Ridley Scott. É notório um certo ar “Blade Runner” em “Fome de Viver”.

Há algo de exuberante em “Fome de Viver”, sobretudo pela força, beleza e imponência do casal protagonista Deneuve-Bowie. Eles falam pouco, mas seus gestos e olhares são precisos. Basta para que seja possível compreender suas personalidades. Rapidamente, entendemos seus dilemas, suas angustias e os desafios de quem está condenado a viver a vida eterna.

O deslumbre que o casal provoca se estende por suas posses: o apartamento em Manhattan, os móveis e instrumentos musicais. Trata-se de um casal que nos remete a certa idéia de “aristocracia européia”. Aqui, resvalamos no que há de mais brega num filme de forte afetação no som e imagem, com névoas e cortinas esvoaçantes em slow. O foco de luz quase sempre explosivo num abuso do contraste em busca à fórceps do clima de mistério. Há um certo ar publicitário-chique em “Fome de Viver”. Vende-se vampiros belos e cultos.

Mas, fato é que o filme não se leva tão a sério quanto parece em princípio e compreendemos isso bem quanto mais nos aproximamos de seu final, ao sermos levados a um filme de horror trash.

Atores extraordinários

O que seria de “Fome de Viver” sem Deneuve, Bowie e Sarandon? O talento de Catherine Deneuve já era conhecido por sua atuação em “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), “Repulsa ao Sexo” (1965) e “A Bela da Tarde” (1967), entre muitos outros. Já Susan Sarandon já tinha brilhado em “Rocky Horror Picture Show” (1975), mas ela só viria a ganhar notoriedade em filmes como “Atlantic City” (1982) e “Telma & Louise” (1992). Em 1995, Sarandon ganhou o Oscar por sua atuação em “Os Últimos Passos de um Homem”.

David Bowie, como todos sabem, é um dos mais importantes cantores e compositores do pop mundial. E que grande ator! Em 1983, ele apareceria em “Fome de Viver” e “Furyo, em nome da Honra”. Muito pouco para alguém de tamanha força e presença em cena. A interação entre esses três excepcionais atores é algo que faz com que “Fome de Viver”  não esteja no limbo, hoje.

Por Cláudio Marques