Era uma Vez em Tóquio (Tôkyô monogatari, 1953)
Preto e branco, 136 minutos, DCP
Direção: Yasujiro Ozu
Roteiro: Yasujiro Ozu e Kogo Noda
Elenco: Chishû Ryû, Chieko Higashiyama, Sô Yamamura
Sinopse
Um casal de idosos, que mora em uma pequena cidade no sul do Japão, vai a Tóquio visitar seus filhos e netos. Porém, os tempos são outros.
O pós-guerra e a banalidade da vida comum
O “Shimun Geki” já se configurava como uma espécie de gênero no cinema do Japão quando Yasujiro Ozu começou a filmar, na década de 20. Focado em dramas familiares, o “Shimun Geki” trata dos “pequenos” temas, ligados aos embates entre gerações e aos ciclos da vida. Os detalhes do dia a dia são vistos como indispensáveis para entender o todo.
Ozu foi o cineasta que melhor elaborou o gênero e, talvez, “Era uma vez em Tóquio”, seja a sua obra principal.
É importante lembrar que o Japão ainda estava traumatizado pelos anos da guerra, quando a película foi realizada. Do sonho imperialista até a mais dura das derrotas, com duas cidades atacadas com bombas atômicas, concentrar-se no que de fato importava e no que estava ao alcance jamais pareceu tão importante.
Além disso, o Japão transformava-se rapidamente no pós-guerra e Ozu esmerou-se em retratar, com muita elegância, tais mudanças na sociedade, que passava a receber forte influência norte-americana.
A influência do cinema de Ozu
No Festival de Cannes, em 2013, foi lançada a cópia restaurada de “O Gosto do Saquê”, de Yasujiro Ozu. No palco, o cineasta chinês Jia Zhang-ke, que estava em competição oficial naquele ano, emocionou a todos ao lembrar do choque para ele e para os da sua geração ao ver a vida cotidiana retratada na tela grande: “Vendo Ozu, compreendemos que a família não existia no cinema chinês”. Não se poderia mais filmar do mesmo jeito, a partir de então. Ozu levou humanidade para muitos cineastas.
O japonês Kore-eda, por sua vez, também em competição naquele ano, afirmou na mesma cerimônia, que a elegância e inteligência de Ozu eram norteadores de todo cineasta japonês. “O cinema de Ozu é eterno”, disse Kore-eda.
Em outra ocasião, a cineasta francesa Claire Denis afirmou “Somos todos filhos de Ozu”, dada a complexa simplicidade do cinema do diretor japonês.
Kurosawa, Mizoguchi, Jim Jarmusch, Wim Wenders, Aki Kaurismaski, Hou Hsiao Hsien, entre outros, também já renderam tributos e confessaram a influência de Ozu.
É famosa a foto de Godard visitando o túmulo de Ozu, quando o cineasta francês foi ao Japão. A importância desse cinema “simples” e avassalador cresce a cada ano que passa. A humanidade em Ozu é algo a ser buscada, sempre.
Um cinema sem “fru-fru”
Curiosa a sensação de repetição e de inutilidade que os filmes de Ozu provoca, em princípio. Mas, longe do esgotamento, os filmes do cineasta japonês acontecem pelo acúmulo de situações e sentimentos. Após alguns minutos de projeção, é possível sentir o frescor da brisa, dada a credibilidade que os atores e a mise-en-scène provocam. Ozu jamais abusava dos artifícios fílmicos. Não há, em seus filmes, a busca pelos efeitos visuais ou sonoros. Não há “fade”, o corte é seco.
Ozu era minimalista e desenhava previamente todos os planos. O rigor e austeridade do cineasta estava serviço da mais significativa simplicidade. Ozu filmava sempre do mesmo jeito. Câmera fixa e um pouco abaixo dos olhos dos atores. Não raro, fitava o ator diretamente, o que nos dá a sensação de diálogo direto com o espectador. A intimidade se estabelece de forma inequívoca, em suas películas.
A atualidade do cinema “banal”
Num dos diálogos mais marcantes da história do cinema, a irmã mais nova, enfurecida, dispara algo como: “A vida é puro desapontamento, não?”. De imediato, a irmã mais velha responde, com um largo sorriso em seus rosto: “Sim.”
E amadurecer não está em justamente aceitarmos os desapontamentos e desilusões que a vida nos impõe? A maturidade carrega medos e tristezas, mas há que celebrar a oportunidade de ver os filhos criados, até se chegar a uma morte natural. Aí reside a mais completa felicidade: completar o ciclo da vida, em meio às desavenças e contradições que ela carrega.
Não se trata de, em “Era uma Vez em Tóquio”, vitimizar os mais velhos e maldizer os mais jovens, como muitos gostam de pontuar. A verdade é que todos estão vivendo as suas vidas, com seus afazeres e diversões.
O pai, vivido por Chishu Ryu, espécie de ator fetiche de Ozu, adorava beber quando mais jovem. E em sua visita aos filhos, em Tóquio, chega o dia em que ele vira todos os copos possíveis e revela sua decepção com o filho médico, por ele não ser tão importante quanto ele havia imaginado. Essa cena é crucial para que a humanidade inunde a todos em “Era uma vez em Tóquio” e evite, assim, o maniqueísmo.
Por Cláudio Marques