Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)
Colorido, 136 minutos, 35 mm
Direção e roteiro: Stanley Kubrick
Baseado no livro de mesmo nome escrito por Anthony Burgess, em 1962
ElencoMalcolm McDowellPatrick MageeMichael Bates

Sinopse
Laranja Mecânica conta a história de Alex DeLarge (referência ao rei Alexandre, O Grande), um jovem delinqüente. Após cometer uma série de graves delitos, Alex é preso e condenado a 14 anos de prisão. Após cumprir apenas dois, ele se torna voluntário em uma terapia proposta pelo governo, que busca resolver os problemas relativos à criminalidade em um curto espaço de tempo.

Laranja Mecânica

Na terra da ultraviolência

No espaço-tempo de “Laranja Mecânica”, nada fica em pé: trata-se de uma sociedade infantilizada, com instituições falidas, dirigida por um governo que se preocupa apenas em se manter no poder. A polícia é “hitlerista” e os “humanistas” dessa sociedade se revelam tão perversos quanto os ditos marginais.

A juventude é ativa e eufórica, sempre a base de substâncias químicas e em busca da “ultraviolência”.

Se a idéia que norteia o longa é sombria, carregada de tons de sarcasmo e ironia, a arquitetura do filme em si é colorida, coreografada e vibrante. Kubrick sabia, como poucos, manejar os elementos fílmicos. E é sedutor.

O humor alivia a violência extrema. Sem ele, o filme ficaria insuportável. Não se trata de um filme realista. Os personagens são trabalhados na caricatura e, de uma forma geral, estão alguns tons acima na interpretação. Falam alto, caminham de forma estereotipada.

As brigas são coreografadas, sob uma luz forte, artificial. Não há sensualidade nos estupros, não há ferocidade nos embates, que acontecem em cenários que funcionam como verdadeiras instalações. A trilha e a direção de arte são aulas a parte de concepção visual e sonora.

E é impossível não se interessar pelo carismático anti-herói do filme, vivido pelo espetacular Malcolm McDowell, que teve aqui o seu melhor momento no cinema. Ele e seus drugs se comunicam em seu próprio dialeto, o Nadsat.

A narração de Alex, que conta suas histórias em primeira pessoa, faz com que o espectador se aproxime do personagem, sinta que o conhece.

A crítica contra “Laranja”

Justamente essa aproximação ao personagem, aliada à beleza na composição estética, fez com que a maior parte dos críticos, à época, torcesse o nariz para “Laranja Mecânica”. Não foram poucos a escrever que Kubrick estimulava a violência. Não foram poucos a imputar ao filme responsabilidade por crimes cometidos na Inglaterra, em 1972.

Pauline Kael, crítica brilhante, escreveu:  “O filme brinca com a violência de uma forma intelectualmente sedutora (…) Eu não posso aceitar que Kubrick esteja apenas refletindo os assassinatos, num humor pós-Manson; Eu acho que ele está alimentando esse sentimento. Eu acho que ele (Kubrick) quer desenterrá-lo e deixá-lo à mostra.”

Fato é que “Laranja Mecânica” ia muito bem em termos de bilheteria, mas Kubrick, extremamente aborrecido por se ver fortemente criticado decidiu retirar o filme de cartaz: “Só depois da minha morte”, teria dito ele sobre a possibilidade do filme voltar a ser exibido no Reino Unido.

E assim foi: a exibição de “Laranja Mecânica” ficou “proibida” entre 1973 a 1999, ano da morte de Kubrick.

Laranja Mecânica

A tortura pelo belo

A arte e a barbárie sempre interessaram Kubrick, que se sentia ligado à idéia de que uma não existe sem a outra, na natureza humana. Esse paradoxo está evidenciado em muitos momentos da sua obra. Mas, em“Laranja Mecânica”, o cineasta encontra o ápice dessa questão quando Alex é submetido a sessões de tortura, onde se via obrigado a escutar a Nona Sinfonia de Beethoven, uma de suas maiores paixões.

Uma curiosidade

Conta-se que Kubrick estava insatisfeito com a cena do estupro, que se passa na casa do escritor. O cineasta passou pelo menos quatro dias refazendo a cena até que, certa vez, pediu a Malcolm McDowell que ele começasse a dançar e que lembrasse de uma canção. A única música que veio à mente do ator foi “Singing in the Rain”, letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown. Estava aí, novamente, a união dos extremos: a arte e a barbárie.

Conta-se que, anos mais tarde, McDowell encontrou com Gene Kelly em uma festa. E que o ator veterano não o poupou de sua indignação. Kelly estava enojado com a forma que “Singing in the Rain” foi usada em “Laranja Mecânica”.

O filme envelheceu?

Estamos em tempo de ultraviolência em Salvador. Não apenas aqui, é claro, mas quem mora na cidade sabe como em poucos anos os assassinatos, roubos, sequestros, entre outros, tornaram Salvador a 13ª cidade mais violenta do mundo.

Não se investe em cultura e educação, mas em armas e polícia. É a resposta que políticos deram, a curto prazo, para agradar eleitores e permanecerem no poder. A esquerda age de maneira semelhante à direita, em alianças abomináveis.

É comum encontrar jovens infantilizados e em busca de diversão a base de bebidas e remédios diversos.

Em termos de composição, imagem e som, o filme é um esplendor, que merece uma exibição potente em um cinema de qualidade. Daí, o orgulho desse nosso Cineclube.

 

Por Cláudio Marques