Redenção (1958)

Redenção
Brasil, 1958, 35mm, 61 min
Direção e Roteiro: Roberto Pires
Elenco: Geraldo H. D’el Rey, Braga Neto, Maria Caldas, Fred Jr. e Milton Gaúcho

Sinopse

Dois irmãos hospedam um desconhecido na fazenda onde vivem, sem saber se tratar de um maníaco procurado pela polícia. Assim, colocam em risco a vida da jovem Magnólia (Maria Caldas), que namora Newton (Geraldo D’el Rey), um dos irmãos fazendeiros. Raul (Braga Neto), irmão de Newton, está em liberdade condicional. Mas, ao agir em defesa de Magnólia, acaba por encontrar a tão desejada “redenção”.

A força do pioneirismo

É importante que as obras pioneiras sejam vistas, revistas e discutidas. Cineclubes e/ou cinematecas são espaços por excelência de exibição dos chamados primeiros filmes. Tais obras, em associação com o que se produziu depois, convoca-nos a uma reflexão sobre o desenvolvimento do cinema. Apontam influências, continuidades e/ou rupturas. Ao exibi-las, presta-se o devido reconhecimento aos desbravadores.

O marco inaugural do cinema baiano data de 1910, com o curta Regatas da Bahia, rodado por Diomedes Gramacho e José Dias da Costa. Entre os pioneiros, é importante lembrar Alexandre Robatto Filho, que rodou diversos documentários com ênfase na cultura e manifestações populares. Nos anos 50, destaca-se Roberto Pires, um artista ímpar no cenário local, tanto por empreender e levar adiante a realização do primeiro longa-metragem baiano, Redenção (1958), como por suas habilidades artesanais no lidar com a técnica cinematográfica. Para filmar Redenção, ele criou uma lente anamórfica batizada de “Igluscope”, a versão brasileira do “Cinemascope”, que não existia por aqui na época. Para tanto, teve como ponto de partida um pedaço da película de O Manto Sagrado (1953), de Henry Koster, filme americano rodado em “Cinemascope” e que, na época, esteve em cartaz no Cine Guarani, atual Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha.

O dia 06 de março de 1959 marca a estréia de Redenção no Cine Guarani. Assim, o filme tornou-se realidade. É uma data histórica! Tal acontecimento foi registrado por um cinejornal da época e mostra atores e equipe em roupa de gala. Uma noite triunfante! A prova definitiva de que era possível fazer longa-metragem na Bahia.

Cineclube_Divulgação - Redenção 2

Redenção: um caso isolado

Em Redenção estão presentes elementos clássicos do gênero policial: um homem misterioso chega na cidade. Inicialmente, ninguém sabe a sua origem ou mesmo o que veio fazer ali. Ele pede abrigo numa fazenda de coqueiros, onde vivem dois irmãos. Portanto, um lugar isolado. O estranho é acolhido pelos irmãos, sem desconfiar do risco que correm. O desenvolvimento da trama faz com que a ameaça recaia sobre a namorada de um dos irmãos, uma jovem e indefesa garota. Um assassinato é cometido. Cabe a polícia desvendar o mistério e apontar os culpados. Em flashback, é revelado ao espectador os detalhes do crime. Por trás de toda a trama não há nenhuma motivação social. As ações dos personagens não trazem implicações sobre um grupo ou comunidade, apenas repercutem individualmente em suas vidas.

Roberto Pires demonstra habilidade na construção cinematográfica da história, com planos bem construídos e bons movimentos de câmera. Os longos travellings sobre uma orla ainda desabitada são marcantes. Revelam uma Bahia que não conhecemos mais. Porém, o filme carece de um roteiro mais elaborado, que prolongue o mistério e o suspense de modo a deixar a trama mais envolvente e intrigante. Algumas soluções são ingênuas ou fáceis demais, o que tira a dramaticidade das situações. O modo como o crime é revelado é muito direto, uma vez que, em determinado momento, o autor resolve contar o caso à polícia e, assim, o mistério é desfeito rapidamente.

O cinema feito na Bahia após Redenção não dará continuidade ao gênero proposto no primeiro longa de Roberto Pires. O filme é marcante por seu pioneirismo, por sua força inaugural, e não por suas escolhas estéticas e temáticas. O suspense, o thriller policial com mistério e nuances psicológicas, mostra-se mais um gosto particular do diretor, influenciado pelo cinema norte-americano, do que uma tendência do cinema brasileiro. Redenção aponta um caminho que poderia ter sido aprimorado, mas não foi.

Nos anos 60, eclodiu, com uma força extraordinária, o Cinema Novo. Os jovens realizadores da época, entre os quais, destaca-se Glauber Rocha, todos cheios de entusiasmo, aliam à realização cinematográfica um discurso poderoso de defesa de um cinema genuinamente brasileiro, comprometido com o povo e a transformação social. Assim, nega-se qualquer referência ao cinema norte-americano. O que importa é representar na tela o povo e os seus dramas. Redenção, nesse contexto particular, torna-se uma obra isolada, que encontra eco apenas em outros filmes de Roberto Pires, como Tocaia no Asfalto, de 1962. Até hoje, o cinema de gênero é pouco trabalhado no Brasil, em especial os filmes policiais e de suspense como o proposto por Pires.

Cineclube_Divulgação - Redenção 3

O restauro de Redenção
Por muito tempo, pensou-se não haver cópia disponível de Redenção. Acreditava-se que os negativos e positivos estavam perdidos. Sabia-se do filme através de matérias publicadas nos jornais da época e de textos escritos logo após o seu lançamento, em 1959. Dentre eles, há uma crítica de Walter da Silveira, que apesar do carinho com que trata a obra, não deixa de apontar as suas fragilidades. Só nos anos 2000, foi descoberta a existência de uma cópia em 16mm na mãos de um antigo exibidor pernambucano, o que tornou possível a sua restauração. Tarefa que foi encabeçada por Petrus Pires, um dos filhos de Roberto. Vale aqui reconhecer o esforço de Petrus, que obteve apoio dos governos estadual e federal para o restauro da obra.
Assim, o Cineclube Glauber Rocha exibe uma cópia restaurada, fotograma por fotograma, em 35mm. A conclusão do trabalho só ocorreu em 2010, ano em que Redenção foi reapresentado ao público baiano. Tal exibição aconteceu em junho de 2010 no Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, o antigo Cine Guarani. Mais de 50 anos depois, Redenção volta à casa que o acolheu pela primeira vez, por ocasião de seu lançamento. Por tudo isso, torna-se ainda mais especial a exibição de Redenção no Cineclube Glauber Rocha, que acontece justamente no Cine Glauber.

Roberto Pires trabalhou com cinema ao longo de toda a sua vida. Realizou 01 curta e 07 longas-metragens. Além de Redenção (1958), destacam-se A Grande Feira (1961), sucesso total de bilheteria,Tocaia no Asfalto (1962) e Abrigo Nuclear (1981). Morreu de câncer em 2001.