Coração Selvagem (Wild at Heart, 1990)

Coração Selvagem
Wild at Heart, 1990, EUA, 127 min
Direção e roteiro: David Lynch
Com: Nicolas Cage, Laura Dern, Diane Ladd, Willem Dafoe, Isabella Rossellini, Harry Dean Stanton
Produção: Monty Montgomery, Steve Golin, Joni Sighvatsson
Trilha sonora: Angelo Badalamenti

Sinopse

Jovens amantes em fuga pelas estradas da Califórnia. Uma mãe desequilibrada e furiosa. Sexo em abundância. Encontros variados com elementos os mais estranhos possíveis. Um filme perversamente engraçado e romântico, espécie de montanha-russa que nos leva à redenção graças ao inesperado encontro com a bruxa boa. Um longa para corações fortes.

O desconforto do início dos anos 90

No início dos anos 90, muita coisa tinha acabado de acontecer e a ressaca era forte. A queda do Muro de Berlim trouxe o “fim da história”. Aparentemente o capitalismo havia triunfado, a luta de classes finalizada e os movimentos sociais estavam em compasso de espera. No Brasil, finalmente havíamos votado para presidente da República. De forma desleal, Collor venceu as eleições e logo dera um golpe ao confiscar o dinheiro da poupança da população. Não se reagia à altura, com a força devida num primeiro momento. Tudo soava estranho e algo estava por vir, mas o que seria? A aparente calma era falsa. O mundo continuava desconfortável.

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A estranha miscelânea em David Lynch

Foi logo em 1990 que David Lynch realizou duas obras marcantes, que influenciariam toda uma nova leva de filmes e realizadores.

Na televisão, Twin Peaks foi acompanhada por milhões de espectadores. Uma série que revelava a alma de moradores de uma cidade tão pacata quanto aterrorizante.

No cinema, Coração Selvagem trouxe uma miscelânea da cultura popular norte-americana em cores saturadas e subversivas. O filme mistura Mágico de Oz com Elvis Presley (Love me Tender) e Chris Isaak (Wicked Game), num filme exagerado, doentio, caricato e absolutamente original.

Coração Selvagem é o irmão mais velho de Cães de Aluguel e, sobretudo, Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Filmes que também misturavam e referenciavam a cultura POP dos EUA. Coração Selvagemganhou a Palma de Ouro em Cannes, num júri presidido pelo cineasta italiano Bernardo Bertolucci. Um pequeno filme, de custo de aproximadamente $ 9,5 milhões (pouco para os EUA) e que foi logo abraçado por boa parte da crítica, cineastas e cinéfilos.

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Uma comédia perversa

Nos primeiros cinco minutos de projeção, Coração Selvagem entrega logo seu cartão de visitas, quando Sailor (Nicolas Cage) esmaga a cabeça de um sujeito que o ameaça em uma festa formal e tradicional. Tudo se passa quando o jovem sente que a ameaça pode atingir a sua sexy e tempestuosa namorada, Lula (Laura Dern).

Sailor passa dois anos na cadeia e quebra sua condicional ao “seqüestrar” Lula e levá-la para a ensolarada Califórnia. Aliás, aqui uma das mais notórias diferenças entre Coração Selvagem e Veludo Azul (Blue Velvet, 1986), filme anterior de Lynch. Enquanto os personagens do segundo transitavam entre sombras,Coração Selvagem é um filme não menos estranho e doentio, mas solar!

Em fuga, o jovem casal passa a ser perseguido por ordem da mãe insana de Lula, Marietta (Diane Ladd, mãe na vida real de Laura Dern). Uma velada disputa entre mãe e filha darão os contornos de perversidade a essa história.

Coração Selvagem é marcante por muitos aspectos, mas talvez a química entre Nicolas Cage e Laura Dern seja o elemento a ser destacado. De um lado, a sensualidade quase infantil de Lula. Do outro, o romantismo violento e por vezes patético de Sailor. É uma dupla estranha, mas muito carismática e em grande sintonia.

Baseado no livro

Coração Selvagem é baseado no romance de mesmo nome de Barry Gifford, que também foi lançado em 1990. Conta-se que o produtor de Lynch, Monty Montgomery, quase não entregou o texto para o diretor, achando que ele não iria gostar “Não leia, não é o tipo de coisa que você vai gostar”, teria dito.

Pois, Lynch leu, gostou, adquiriu imediatamente os direitos e logo escreveu o roteiro. “Foi exatamente a coisa certa no momento certo”, disse Lynch sobre o romance de Gifford. “O livro capta e funde a violência norte-americana, numa história que vai muito além de um simples romance moderno.

Por Cláudio Marques