O Grande Momento (1958)

O Grande Momento
Brasil, 80 min, 1958
Direção: Roberto Santos
Roteiro: Roberto Nath e Roberto Santos
Elenco: Gianfrancesco Guarnieri (Zeca), Myriam Pérsia (Ângela), Vera Gertel (irmã de Zeca), Jaime Barcelos (Atílio), Paulo Goulart (Vitório), Lima Duarte e Milton Gonçalves

Sinopse

Zeca (Gianfrancesco Guarnieri) se vê com pouco dinheiro às vésperas de seu casamento. Longe de querer adiar  ou mesmo contar o que está se passando à futura esposa, ele fará de tudo para honrar o grande evento.

Uma cidade que não existe mais

“O bonde, Ângela!”, grita Zeca (Gianfrancesco Guarnieri) para a sua esposa (Myriam Pérsia) em um dos últimos e mais belos planos de O Grande Momento. Estamos na São Paulo de 1958, em uma cidade em que Zeca, o protagonista, deixa a sua preciosa bicicleta na rua tranquilamente sem ter medo de roubos. Será com essa mesma bicicleta que outro instante sublime será construído durante a película. No momento da separação de Zeca com o seu mais querido e precioso bem, ele andará livremente, com um belo sorriso estampado em sua face, pela cidade de São Paulo. A São Paulo das bicicletas e dos bondes!

Não é apenas pela nostalgia que devemos apreciar o primeiro longa metragem de Roberto Santos. O Grande Momento é um filme de costumes, que oscila entre um drama proletário e uma comédia pastelão sem que se perca a unidade. É um longa ingênuo, com um frescor absolutamente necessário ao cinema brasileiro daquele período. Temos uma carga forte de humanismo no filme. Uma “brasilidade” sem imitação aos filmes estrangeiros em suas fórmulas e tons. É possível sentir as pessoas, entender como elas vivem com seus dramas e humores, numa cidade que não parava de crescer.

O Grande Momento 1

Um primeiro filme com grandes atores

O Grande Momento é o primeiro longa metragem de Roberto Santos, que possui demonstração clara de domínio de mise-en-scène com a construção de alguns belos planos durante a película. Um dos pontos fortes de O Grande Momento está no elenco. O longa possui a estréia de alguns grandes atores que iriam marcar a história do cinema brasileiro. A começar pelo protagonista, vivido por Gianfrancesco Guarnieri, um notável ator. Seu jeito franzino, frágil e simples, confere personalidade e humanidade essenciais ao Zeca do bairro do Brás, nessa São Paulo de 1958. Temos ainda a participação de Paulo Goulart, Lima Duarte, Milton Gonçalves e outros tantos.

O filme em seu tempo

O Grande Momento foi muito bem recebido pela critica à época. Trigueirinho Neto escreveu que “…estamos longe de confundir O Grande Momento que é um filme inspirado e que nos faltava desde os tempos de Humberto Moura, com os demais do cinema brasileiro. Pelo contrário e levando em conta inclusive seu processo de produção, libertado de vínculos industriais, dos compromissos de qualquer espécie, sua concepção bem límpida, compreensível através da poética de Roberto Santos, que realmente existe como veremos e não é intelectualismo, diante desse conjunto honroso, colocamos O Grande Momento num plano de excepção.”

Para Octávio Bomfim “Muito poucas vezes temos tido oportunidade de aplaudir filmes brasileiros. Com um grosso de produção deploravelmente vulgar e medíocre, só de raro em raro o cinema nacional faz jus a elogios, que não lhe regatearemos quando for necessário e merecido fazê-lo.”

O filme de Roberto Santos agradava críticos e pensadores justamente por traduzir os anseios de um novo cinema que estava surgindo.

O Grande Momento 2

Cinema Novo

Um novo cinema brasileiro estava por acontecer desde o início dos anos 50, digamos assim. Alex Vianny era um dos mais ardorosos defensores de uma simplicidade e aproximação ao Neo-realismo italiano. Walter da Silveira, no Cineclube da Bahia, também apontava para caminhos semelhantes, sempre reforçando a necessidade do surgimento de uma cinematografia que traduzisse questões políticas e sociais sem que se perdesse a composição cinematográfica.

Rio 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, é o marco inicial de um cinema feito sem grandes aparatos e com locações ao ar livre, longe dos grandes estúdios. O Grande Momento é uma espécie de “Rio 40 Graus” paulista.

Roberto Santos

Roberto Santos nasceu em São Paulo em 1928. Formou-se arquiteto, mas logo foi infectado pelo vírus do cinema. Tornou-se amigo de Nelson Pereira dos Santos no Congresso Paulista do Cinema Brasileiro, em 1952, espécie de marco zero do nascimento do Cinema Novo no país. Em 1953, foi assistente de direção de O Homem dos Papagaios, de Armando Couto, uma função que ele continuaria a realizar mesmo já diretor renomado.

Sem dúvida alguma, A Hora e A Vez de Augusto Matraga (1965) foi o seu longa mais importante. Foi o vencedor do I Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e tornou-se o representante do Brasil em Cannes.

Dirigiu tantos outros longas e lecionou na ECA/ USP. Sofreu com a repressão e censura durante os anos de chumbo. Em 1986, realizou Quincas Borba, adaptação do livro de Machado de Assis. O filme que foi muito mal recebido pela crítica no Festival de Gramado. Roberto Santos faleceu logo após o festival, em 1987, ainda no aeroporto de Guarulhos.

Por Cláudio Marques