A Lira do Delírio (1978)

A Lira do Delírio
Brasil, 1978, cor, 35mm, 105 min
Diretor, Roteiro e Montagem: Walter Lima Júnior
Com Anecy Rocha, Paulo Cesar Pereio, Antonio Pedro, Claudio Marzo e Tonico Pereira.

Sinopse

Dois momentos na vida de um grupo de personagens cariocas. No bloco carnavalesco “A Lira do Delírio” eles vivem o êxtase. Fora do carnaval, cruzam-se num cabaré da Lapa. Ness Elliot (Anecy Rocha) tem o filho sequestrado e cai na manipulação de Cláudio (Cláudio Marzo), misto de malandro e homem de negócios. O repórter de polícia Pereio (Paulo Cesar Pereio) faz de tudo para ajudá-la enquanto também investiga o assassinato de um homossexual.

O improviso em A Lira do Delírio

A Lira do Delírio começou a ser rodado em 1973, durante o carnaval. Por três dias, Walter Lima Jr. filmou os atores Anecy Rocha (também sua esposa e irmã de Glauber Rocha), Paulo César Pereio, Nara Leão, Cláudio Marzo, Antonio Pedro e Tonico Pereira no desfile do bloco A Lira do Delírio pelas ruas de Niterói. Dib Lutfi, o fotógrafo do cinema novo, assumiu a câmera. Ele captou, em 16 mm, o êxtase carnavalesco. Os personagens, em transe, esbarram-se, tocam-se, beijam-se, compartilham aquele momento de suspensão da realidade. Não há roteiro nem falas marcadas. A interação é livre, espontânea. “Cada um fez o que deu na cabeça, de acordo com o que a realidade oferecia. Filmei a loucura deles”, conta o diretor. Após as filmagens, o projeto ficou parado e Walter Lima Jr. voltou-se para a televisão. Ele foi contratado pela Rede Globo para dirigir documentários para o recém criado Globo Repórter.

Em 1976, Walter Lima retornou às filmagens de A Lira do Delírio. Até então, o diretor  tinha apenas as imagens do carnaval em Niterói. Era preciso criar uma história. Nara Leão, que ao lado de Anecy Rocha protagonizou uma das mais belas sequências do filme, decidiu não continuar no projeto. Felizmente, Nara não impediu o uso de sua imagem com a condição de que o seu nome não aparecesse nos créditos finais.

Cineclube_Foto - A Lira do Delírio 2

O interesse de Walter Lima Jr. pelo gênero policial o levou a construir uma trama que envolve o seqüestro de uma criança e o homicídio de um homossexual. Os atores, que haviam se cruzado no carnaval, voltam a se encontrar num cabaré na Lapa, zona boêmia do Rio de Janeiro. Com exceção de Anecy, os atores utilizaram os seus nomes reais. Assim, o diretor trouxe a personalidade de cada um para a cena, suas características e temperamento. Walter propôs uma história, construiu personagens, mas não escreveu um roteiro formal. Ele indicou situações e pediu que os atores criassem livremente as suas falas. Apesar de assumidamente ficcional, o cineasta manteve nessa segunda etapa de filmagem o espírito de improvisação que marcou o registro carnavalesco.

Um filme único na trajetória de Walter Lima Jr.

Lira do Delírio é um filme profundamente pessoal. Não está preso a modelos ou cartilhas. No entanto, a estrutura fragmentada, o improviso, a dissociação entre som e imagem, além da representação do submundo carioca, fazem com que seja uma obra mais associada ao cinema marginal do que a uma herança cinemanovista. O êxito da experiência e a boa aceitação do filme pela critica, não fizeram, no entanto, com que Walter trilhasse os caminhos de um cinema experimental. A Lira do Delírio constituiu-se numa obra única na trajetória do diretor, “uma surpresa”, como ele mesmo afirma. Walter se identifica mais com o cinema clássico narrativo, que busca uma maior aproximação e diálogo com o público. Vale ainda lembrar que o cineasta dirigiu, entre outros, O Menino de Engenho (1965) e atuou como assistente de direção em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1962), de Glauber Rocha.

Cineclube_Foto - A Lira do Delírio 3

Uma homenagem à Anecy Rocha

Anecy Rocha morreu tragicamente em 1977, antes da montagem de A Lira do Delírio. A atriz caiu no poço do elevador do edifício onde vivia com Walter Lima Jr. É pelo cinema que Walter reencontra a mulher morta e presta-lhe uma última homenagem. A presença de Anecy em A Lira do Delírio é de grande entrega e emoção, especialmente em três momentos do filme: sua embriaguez no bloco de carnaval, o seu desespero ao saber do seqüestro do filho e o reencontro, ao final, com a criança raptada. A atriz recebeu o prêmio póstumo de Melhor Atriz no Festival de Brasília (1978). A Lira do Delírio venceu ainda nas categorias Melhor Fotografia, Melhor Diretor, Melhor Montagem e Melhor Ator Coadjuvante (Paulo César Pereio).

 Por Marília Hughes